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É a genética que determina o caráter?

“Quem quer que levante a voz contra a ciência deveria ser obrigado a viver sem eletricidade, papel higiênico e água potável”.  Com outras palavras, mas com o mesmo tom e ênfase, o discurso em prol da ciência às vezes se utiliza de um raciocínio pra lá de questionável. Não raro, escuto e leio argumentos legitimando as tentativas de se provar que as ações individuais resultam menos de escolhas propriamente ditas do que de uma propensão genética contra a qual nada se pode fazer. A semântica até tenta disfarçar, mas o que se esconde por trás do falatório é uma espécie de determinismo enrustido, novamente fora de hora.

 

A exaltação cega da ciência faz com que as borboletas do estômago se transformem em taturanas. Traduzindo a metáfora: quando a paixão se torna passividade; amor se torna angústia; prazer, obrigação; conhecimento, presunção. De nada vale aceitar passivamente aquilo que se divulga como conhecimento científico sem o assimilar devidamente; o conhecer sem o saber é mero disfarce de quem tenta se passar por sabido. Aliás, nunca é demais lembrar que etimologicamente sabedoria vem de sabor; é preciso treinar o paladar, reconhecer na língua e no raciocínio a veracidade de uma teoria.

 

O exemplo que me incomoda atualmente ilustra bem o poderio do discurso científico: a dita opção sexual é ou não uma opção? Muitos argumentos defendem que a consciência individual provém de determinismo genético. A discussão poderia se arrastar em meio a elucubrações retóricas e disputas erísticas, mas longe de pôr em prática o debate democrático isso me cheira a desvio de foco.

 

Mais do que uma polêmica, percebo uma questão filosófica das mais importantes: quais as consequências de se negar a responsabilidade do indivíduo sobre suas ações? Em 2008 eu assisti a dois filmes que, de um modo ou outro, tocam no assunto: Ninguém escreve ao coronel e Meu irmão é filho único, sobre o qual ainda não escrevi. Obviamente algum dia na vida todo mundo ouvirá um amigo frustrado dizer que foi culpa do destino, sem que ninguém lhe aponte o indicador citando, ainda que indiretamente Nietzsche: “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes pelas quais precisarás passar para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu”.

 

Certa vez, não sei onde, li que na base do Cristianismo está a valorização do indivíduo em oposição à opressão do estado romano. Por isso mesmo causa-me estranheza e certo temor ler que “Uma grande vantagem de nossa liberdade em Cristo é que não precisamos mais depender de nossos próprios esforços e atos para salvação!“.

 

O que pode o indivíduo num meio em que ciência e religião tentam lhe raptar a consciência? Mesmo com meus parcos conhecimentos sobre o assunto, apostaria que nem a verdadeira ciência nem o verdadeiro cristianismo defenderiam tamanha violência contra a única coisa que de fato nos diferencia na multidão. Ou eu deveria admitir que os livros que leio, as amizades que faço, os ideais que defendo são imposições aleatórias vindas sei lá de que antepassado?