No fim da aula em Valinhos um aluno me procurou. Trazia consigo três recém-nascidos versos, algo mais ou menos assim:
Ah, como eu queria
ver amanhecer
o raiar do dia.
Tratando-se de um primeiro hai-kai, tinha os méritos de uma metrificação precisa, além das rimas bem postadas (uma delas, interna). Fiquei bastante satisfeito com o que eu li, mas sabia que ele, o aluno, não fora até mim em busca de simples aprovação. Aproveitei para conversarmos sobre a transparência da imagem.
Sim, a meu ver, o texto pecava pelo excesso de clareza. Começamos então a conversar sobre como expressar as ideias e os sentimentos de modo mais elíptico sem, contudo, torná-lo hermético. O primeiro passo foi manter a imagem do amanhecer, ligando-a a um elemento da natureza que agradasse o autor, no caso, o Andrey – o aluno.
Gostando ele das frescas manhãs primaveris, optamos por iniciar com um “Manhã de setembro” – o que indica não só o início da primavera, mas também seu período mais fresco e ameno.
Depois fomos em busca de algum detalhe concreto que pudesse ilustrar o aspecto temporal. Sabendo que “folhas na calçada” remeteria ao outono, valemo-nos da mesma estrutura pictorial, mas optamos por outras matizes: “flores na calçada”.
Faltava o verso final. Como o segundo verso traz um elemento estático, pensamos em trabalhar com uma elipse que indicasse movimento e vida – algo que fosse uma síntese mais animada da estação. Ficamos com “ninho abandonado”.
Mais do que o hai-kai em si, gostei da experiência de construirmos um texto em parceria. Esse tipo de tarefa tende a ser enriquecedor tanto ao jovem quanto ao ancião. Sem contar que, sem percebermos, saiu uma métrica certinha:
Manhã de setembro:
flores na calçada,
ninho abandonado.
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Nada como uma boa parceria pra estimular o talento… =]
O ancião fica feliz.
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