Etimologia é um negócio perigoso. Tem um aluno meu que se encantou tanto com etimologia que se tornou meio vagabundo nas outras coisas. Veja só: um pouco antes de estudar etimologia, ele falou para a mãe que queria aprender piano. Daí ela fez um esforço danado, comprou um piano de cauda – daqueles bem caros – para ele, contratou um professor particular, mas foi só começar a estudar etimologia e ele deixou tudo de lado. Obviamente, a mãe ficou muito brava. Pô, Jaime! Eu comprei o melhor piano que pude – ainda estou pagando as prestações –, deixei de trocar de carro por causa disso.
E passou um belo dum sabão no coitado. Falou, falou, falou até a orelha do menino começar a arder de tanto falatório.
– Tá bem, mãe! Vamos parar com isso. Vou considerar.
A mãe ficou radiante. Ele falou que ia considerar. O pessoal diz que adolescente é mal educado e tal, mas meu filho não. Meu filho ficou de pensar no assunto. Ele ficou de refletir o problema. Então, num pulo, ela foi correndo à cozinha preparar a sobremesa favorita do garoto. Ela ficou lá um tempão, quando a torta de sorvete ficou pronta já era noite. Foi quando ela notou um estranho silêncio pela casa. Ué, não era para ele estar tocando piano? Ela foi até a sala e não o viu. (Não viu o menino, pois o piano pelo menos ainda estava lá). Ela o procurou no quarto, no banheiro, na outra sala e nada! A mãe foi encontrá-lo na varanda, deitado, olhando para o céu.
– Seu mentiroso! Safado! Você me disse que ia tocar piano!
– Não disse, não.
– Você me falou que ia pensar no assunto!
– Não disse, não.
– Você me falou que ia considerar!
– E eu estou considerando.
– ?
– Mãe. Veja bem. “Considerar” vem de síder (que em grego significa astros, estrelas). Etimologicamente, “considerar” significa examinar, observar atentamente as estrelas. Como o papo estava meio chato eu vim para cá relaxar um pouco.
Não me pergunte o que a mãe fez com a torta de sorvete.