A mão estendida me pede um troco;
Os olhos do garoto, uma palavra.
Tenho apenas três moedas no bolso;
Pior: no coração, quase nada.
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o lápis
Rasgo a folha em branco.
O lápis, desapontado,
queda por enquanto.
às seis
ônibus às seis
não importa a estação
é sempre solstício
janela
Além da janela
o horizonte desperta
mas não vou embora:
sigo em linha reta.
sobre a metafísica
A estrutura das coisas e do nada,
o caos do universo, em ordem, disfarça,
falsifica cores, luzes apaga,
tira das formas sua essência rara.
Um sonho atípico
Era madrugada e eu caminhava por uma alameda na Tijuca. A leste, sentia a sombra escura e densa que parecia vir do outro lado do Atlântico; a oeste, os ventos e sussurros da floresta carioca. Olhei o firmamento e neste as estrelas fingiam bailar como naqueles jogos de ilusão de óptica. Sentei-me num banco e percebi dois sujeitos conversando:
– Ora, ouvir estrelas! Certo, perdeste o senso – disse o ontologista.
– Para ouvi-las – respondeu o metafísico – muita vez desperto e abro as janelas, pálido de espanto… e conversamos toda noite, enquanto a Via Láctea, como um pálio aberto, cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto, inda as procuro pelo céu deserto.
– Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido tem o que dizem, quando estão contigo?
– Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas.
Mirei o homem de bigodes e resolvi participar do embate:
– Meu chapa, que razão te leva a ouvir as estrelas?
– São elas mais companheiras que meus companheiros.
– O que te dizem vai mais a teus sentimentos?
– Tocam-me a essência…
– Interessante…
– Tendo a trazê-las para dentro do peito…
– Importante…
– Sim.
– Amigo poeta – disse o sério e calmo portuga de olhos azuis retomando a palavra – agora vais me contar que também o vento te faz confissões?
– O vento também me é querido. Nada ele te diz?
– Ora, diz que é vento, e que passa, e que já passou antes, e que passará depois.
– Só isso?
– Só. E a ti o que te diz?
– Muita cousa mais do que isso. Fala-me de muitas outras cousas. De memórias e de saudades e de cousas que nunca foram.
– Bobagem. Nunca ouviste passar o vento. O vento só fala do vento. O que lhe ouviste foi mentira, e a mentira está em ti.
– Meu jovem – intrometi-me novamente – tuas palavras soam envelhecidas.
– E o que seria a velhice, se não um nome?
– Como assim?
– Tu me julgas em nome de uma regra predeterminada. Olha-me como sou!
– Queres que eu te olhe?
– Na verdade não. Sinta o vento, sinta a noite. Deixe de lado tua inquietação quanto a mim.
– Recusas-me um comentário?
– Claro que não! Diz, anda!
– Ao ouvir o vento e as estrelas, concordo que nosso amigo está a escutar vozes interiores – talvez a mente não lhe queira encarar, então os sonhos lhe sussurram as palavras. Que achas disso?
– É o que penso.
– Se é o que pensas, achas mesmo que as idéias escondidas de nosso amigo poeta lhe sejam falsas?
– Falsas?
– “A mentira está em ti”, não foi isso que escutei?
– Quase me entendestes. O que o amigo sente é falso enquanto se lhe soa uma voz objetiva e concreta. Trata-se de uma subjetivação – disse, apontando os olhos ao metafísico.
– Não tens ouvido capaz de ouvir e de entender…
– E tu? Tens a audição fantasiosa. Eu só ouço o que se pode ouvir. Tu ouves o que queres…
– Ouço o que se deve ouvir, tu aceitas passivamente o que te dizem…
– Tu é que imaginas ouvir o que tua filosofia prega…
E continuariam nessa lengalenga, mas tentei dar um basta:
– Amigo lusitano, não percebes que tua filosofia também é símbolo? Ambos se exaltam por terem a mesma razão e desrazão. Tudo é símbolo e analogia. As estrelas e a névoa podem representar, num raciocínio seco, a ciência objetiva, mas também o convite à passividade do não pensar. Por outro lado, podem trazer filosofias íntimas ou alienações recorrentes. O vento que passa, a noite que esfria, são outra coisa que a noite e o vento – sombras de vida e de pensamento.
– Epa! Essa frase é minha – disse o ontologista enquanto deixava cair sua máscara. Continuou:
–Tudo o que vemos é outra coisa. A maré vasta, a maré ansiosa, é o eco de outra maré que está onde é real o mundo que há.
Assustei-me: bigodes invadiam sua face, um chapéu preto enfeitava-lhe a cabeça, um cheiro de café misturava-se à neblina.
– Tudo o que temos é esquecimento – finalizou triunfante. A noite fria, o passar do vento, são sombras de mãos, cujos gestos são a ilusão madre desta ilusão.
[epígrafe]
Cultivam a beleza como adorno
Tolos
Deveriam lavrá-la como essência.
Pequeno quadro, numa casa de chá.
O paladar se treina com pequenas
porções. O olfato integra – sinestésico
e agudo – a visão e o tato; todos
eles mais o silêncio: ingredientes
básicos e precisos para a mesa.
Epígrafe
A penumbra guarda um estético segredo,
intersecção de Deus e demônio, dáimon
socrático, mutuca, sképsis e afins.